Há mais de dois séculos que o coração de Lisboa – a Baixa Pombalina – bombardeia para artérias completamente diferentes. Foi após o terramoto de 1755 que Lisboa se viu modificada: ruas largas com um traçado geométrico e passeios calcetados e com edifícios uniformes.
Após o decreto de 5 de novembro de 1760 – que definia os nomes das ruas ao mesmo tempo que regularizava a distribuição dos ofícios e dos ramos para cada uma – as ruas lisboetas ganharam uma nova vida. É do preto e branco para as cores; é do antigo para o novo que se revela as mudanças urbanísticas e comerciais que a Rua Augusta, Rua Áurea, Rua da Prata, Rua dos Fanqueiros, Rua dos Douradores e Rua dos Sapateiros sofreram. Comecemos esta viagem do passado até ao presente.
Marta Pimpão
RUA AUGUSTA
Chama-se “Rua Augusta” porque homenageia a Augusta figura do rei D. José I. A estátua de D. José I foi colocada em 1775 na Praça do Comércio e só em 1873, quase um século depois, é que se criou o Arco do Triunfo.
De acordo com o decreto estabelecido por este Rei, os oficios que se alojariam nesta rua seriam os Mercados de seda e de lã.
Diferente da atualidade, nesta rua havia circulação de trânsito o que impedia uma passagem tranquila como hoje.
Fotografia de Marta Pimpão
Joshua Benoliel | AFCML
Armando Maia Serôdio | AFCML
Foi nos anos 80 que uma das primeiras mudanças ocorreria nesta rua. A Rua Augusta seria fechada ao trânsito, permitindo agora o nascimento de esplanadas que se concentrariam no cento da rua; de artistas de ruas que animam quem passa; e até mesmo vendedores ambulantes.
O espaço urbanístico alterava-se e a Rua Augusta transformava-se. A estrada foi substituída por um passeio calcetado - a "calçada portuguesa" é muito conhecida pela sua diferença: em calcário branco e negro, caracteriza-se pela forma irregular de aplicação das pedras. Nesta rua, encontramos um desenho próprio que poderá assemelhar-se a uma rosa.
O fator comercial nunca lhe fugiu. Mas o próprio comércio mudou: dissemos adeus à seda e à lã e cumprimentámos as lojas de roupa, como a Zara, a Bershka ou a Stradivarius; as lojas de sapatos, como a Seaside; ou até mesmo as lojas de desporto, como é o caso da Loja do Sport Lisboa Benfica.
A Rua Augusta perdeu o comércio que lhe estava destinado, abrindo as portas a variadas e diferentes lojas.
Com a nova lei que prevê uma maior proteção para as lojas históricas da baixa lisboeta, há profundas mudanças: nascem hotéis no lugar onde antes haviam negócios de família. Na Rua Augusta desapareceram algumas lojas, tais como:
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Louis Vuitton (teve que abandonar a Rua Augusta devido às limitações do espaço. Hoje está na Avenida da Liberdade);
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Filmart (uma antiga loja de fotografia. Nos últimos anos transformou-se numa loja de roupa. Fechou para no seu lugar ser construído um hotel);
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Alfaiataria Nunes Corrêa (fundada em 1856 continuou na família até 1957. Fechou há um ano para dar lugar à loja de maquilhagem Kiko).
O número de lojas que fecharam é superior ao número de lojas que ficaram. A "Casa Pereira da Conceição" ainda mantém as portas abertas. Marcou lugar nesta rua em 1933, tendo passado por três gerações. Desde o momento da abertura, a loja vende leques, chás, cafés, chocolate e porcelana.
Fotografia de Marta Pimpão
RUA AUGUSTA
RUA ÁUREA
Foi com a Rua Áurea que se inaugurou o que consta no Decreto de 5 de Novembro de 1760. Esta rua ficou destinada aos ourives da cidade e, nas lojas que sobrassem, ficavam os relojoeiros e volanteiros. Esta rua foi um local de movimento comercial e de habitação.
Parte do seu traçado já existia no século XV com o nome “Rua dos Ourives do Ouro”, mas foi com o terramoto de 1755, que passou a ser apelidada de Rua Áurea. A mesma foi-se transformando desde esta época até à nossa atualidade.
Fotografia de Marta Pimpão
Paulo Guedes | AFCML
Paulo Guedes | AFCML
Alberto Carlos Lima | AFCML
Embora seja uma rua comercial, “ouro” também se refere ao dinheiro. Grande parte da história financeira da capital portuguesa passa por esta rua. Há, portanto, uma união no nome da rua: por um lado, o nome refere-se aos ofícios que lá se alojaram, por outro lado, refere-se ao espaço urbano dedicado ao dinheiro. Vários foram os bancos que por aqui passaram - hoje encontramos, por exemplo: o Banco de Investimento Imobiliário. Devido a esta união, a Rua Áurea é genericamente conhecida como Rua do Ouro. Atualmente, a rua praticamente não tem ourives e, por isso, muitas lojas desapareceram, sendo o caso da:
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Relojoaria Suíça (de acordo com um documento da Câmara, datado de 2009, esta era o espaço mais concorrido deste ramo. Foi fundada em 1927, mas fechou em 2015);
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Ourivesaria Granada (nasceu em 1975, mas fechou em 2015. No seu lugar vai ser construído um hotel).
Uma das lojas que sobrevive nesta rua desde há mais de 100 anos, é a loja Thadeus - a loja de brinquedos da baixa.
RUA dos FANQUEIROS
Conhecida inicialmente como “Rua Nova da Princesa”, em 1760, aquando do decreto aprovado pelo rei D.José I, surge só em 1910 com o nome Rua dos Fanqueiros, como hoje a conhecemos.
Ficou, no princípio, determinado que, nesta rua, ficavam os mercados de fancaria e o espaço que ficasse livre estava destinado aos mercadores de quinquilharia.
Fotografia de Marta Pimpão
Armando Serôdio | AFCML | Eduardo Portugal | AFCML | Eduardo Portugal | AFCML | Alberto Carlos Lima | AFCML | Alberto Carlos Lima | AFCML |
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Marta Pimpão | Marta Pimpão |
Nesta rua, há a passagem do elétrico. Encontramos atualmente várias lojas de moda masculina e outras dedicadas ao comércio de têxteis.
Tal como nas outras ruas lisboetas, a Rua dos Fanqueiros também viu muitas lojas a fechar as portas. Foi caso de:
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Feira dos Mundos (embora ainda esteja aberta, no seu lugar irá abrir um hotel).
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Marques Rodrigues (abriu em 1918. Vendia carpetes, tapetes, passadeiras e pavimentos plásticos. Fechou em 2009).
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Famarlix (foi fundada em 1923. Em 1986 uniu-se à firma Artur Ferreira Peres Lda, tranformando-se numa só. Hoje está aberta ao público, mas apenas uma parte. Esta área está em obras para se transformar num hotel).
Há muitas poucas lojas abertas nesta rua. Das poucas lojas, a Drogaria Oriental e a loja Malhas Achega mantém as portas abertas. Por outro lado, encontramos a Casa dos Panos, ao fundo da rua, num prédio já cansado e velho, fundada em 1868, fechada. A Rua dos Fanqueiros, é uma das ruas lisboetas que está a perder o comércio e a transformar-se assim numa rua solitária e deserta.
Marta Pimpão
Marta Pimpão
Marta Pimpão
Este decreto de 1760 atingiu também a Rua da Prata – destinada às atividades de ourives da prata – inicialmente conhecida como “Rua Bella da Rainha” – apelidada desta forma em memória da Rainha D. Mariana Vitória.
Atualmente, o comércio nesta rua é diferente, havendo poucas lojas abertas, como é o caso da loja "Casa das Malas" e do oculista "Gil Oculista".
Garcia Nunes | AFCML
Marta Pimpão
E a Rua dos Sapateiros - os ofícios que deviam de ocupar esta rua eram os sapateiros.
Foi nesta rua que se inaugurou – a 8 de Dezembro de 1907 – o Animatógrafo do Rossio, conhecido como a primeira sala de cinema. A partir de 1994 começou a funcionar como peep show e ainda hoje sobrevive enquanto espaço comercial de uma sex-shop. Aqui nesta rua existiu ainda o Hotel Francfort (que foi abandonado) e a Leitaria “A Camponesa” – um café centenário que ainda se encontra em funcionamento.
O projeto de lei do PS, aprovado em Abril de 2016, visa um regime de classificação e proteção de lojas históricas e entidades com interesse histórico e cultural para efeitos de arrendamento. Com este projeto pretende-se garantir que estes estabelecimentos sejam protegidos contra o aumento das rendas e também em caso de obras de requalificação ou demolição.
Esta nova lei surgiu numa altura em que a Baixa Lisboeta deixa de ser o coração pombalino com ofícios específicos associados aos nomes de cada rua, para passar a ser uma Lisboa de hotéis. O comércio passou a ser muito mais do turismo – o sustento da Baixa Lisboeta.
A Rua dos Douradores – destinada aos douradores – considerados artificies que revestiam a folha de ouro os livros, os quadros e outras peças – bate-folhas e Latoeiros de Lima – ambos funileiros, sendo que os Latoeiros eram especialistas em trabalhar a folha de Flandres.
Nesta rua, várias também foram as lojas que fecharam, como é o caso do Restaurante Pessoa (aberto há mais de 160 anos; fechou em 2015) e Adega dos Lombinhos (faria 100 anos em 2017; este restaurante fechou em 2013 porque o prédio iria ser transformado num hotel.
Armando Maia Serôdio | AFCML
Marta Pimpão
José Leitão Bárcia | AFCML
Joshua Benoliel | AFCML
Marta Pimpão
1. Pinheiro Correio |AFCML 2.Carlos Sanchez Pereura | National Geographic 3. W. Robert Moore | National Geographic 4. Reino Batista | Traveltipy 5.Biblioteca de Arte-Fundação Calouste Gulbenkian 6. David Fangaia
Fotografia de Hugo Augusto
Rui Boino | Lisboa Hoje
Marta Pimpão